quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O quintal

Para minha avó.
Eu era mais nova, ela era tudo que eu queria ser. Legal, carismática, talentosa e fazia sucesso com os meninos. Eu não era nada disso. Nada. Só tinha o quintal da casa da minha avó pra oferecer em troca da sua amizade. O quintal era grande. Isso era.
Minha avó dizia pra eu ficar tranquila, porque eu tinha o maior quintal e eu era a mais bonita. Mas eu não queria brincar sozinha naquele quintal enorme e eu sabia que ela mentia sobre minha beleza. Talvez ela até acreditasse nisso.
Um dia apareceu na cidade uma família de fora. De São Paulo. Mudaram-se pra lá. Eles eram muito finos . E eram amigos da minha avó. Nascia a minha chance de conquistar algo com isso.
A filha dessa família era pouco mais velha que eu. E muito bonita. Ia fazer sucesso com os meninos. Sem dúvida. Eu precisava agir logo.
- Vó, me leva pra almoçar com eles? E fomos. Eu gastei toda minha carisma, e claro, levei meus melhores brinquedos. Mas ela já tinha tudo. No final da tarde eu era a melhor amiga dela da cidade.
Quando foi pra escola pela primeira vez eu era sua única amiga. E aquele dia foi o meu reinado. Eu era amiga da menina de fora. Da menina mais nova na cidade. Só eu a conhecia, e ela veio falar comigo no recreio, sem eu ter que ficar rodeando pra chamar atenção, como eu costumava fazer com todos.
Nesse dia, aquela amiga que eu tanto idolatrava, passou a me dar valor. Ela me chamou, pediu informações sobre a menina nova e disse que podíamos entrar no seu time de queimada, se quiséssemos muito. Eu disse que tava com o pé dolorido. Charme. E a menina nova ficou sentada do meu lado. Não jogou também. Ela era o meu tesouro. Minha força. E eu começava a pensar que isso não poderia acabar nunca. E eu não tinha um plano.
Uma semana depois eu já achava o meu tesouro um pé no saco. Ela era menininha demais. Queria pentear meu cabelo e me passar batom. Eu não tava afim. Mas isso não era problema. Porque a minha meta havia sido alcançada. Minha amiga antiga, a talentosa, passava todo dia na minha casa para caminharmos juntas até o colégio. Eu me sentia o máximo. Parecia que eu tinha até crescido uns centímetros.
A menina logo se tornou comum na cidade. Ela era muito chata na verdade. Mas mesmo assim todos os meninos “gostavam” dela. Nunca entendi os meninos.
Porque a minha amiga só me deu valor depois que outra deu? E porque isso acontece com tudo e com todos? Nesse caso eu não gostei da amiga nova.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Profissão: Cortador-de-grama e Fazedor-de-grilo-planta

No caminho pro trabalho eu olhava pela janela do ônibus. O foco não era nada específico. Até que, uma formação triangular de símbolos da sociedade capitalista atual se alinhou no meu campo de vista durante um sinal fechado.
Foi assim.

No canteiro do aterro do Flamengo um jovem trabalhador dirigia um carrinho-corta-grama fazendo trajetos divertidos, formava desenhos no canteiro enquanto a grama ia ficando aparada. Bem ao lado, um semi-mendigo sentado num papelão, apreciava o movimento do corta-gramas sem piscar os olhos. Deixando em segundo plano seu trabalho de confecção de pequenos animais e miniaturas a partir de folhas de coqueiro. Fechando o triângulo, um pouco a frente do meu ônibus, tinha um outro ônibus estampado com a propaganda de uma instituição de cursos de MBAs. Na foto da propaganda tinha um jovem empreendedor recém-formado (e recém clareado os dentes) erguendo seu diploma de MBA todo orgulhoso. Na hora bateu um daqueles tocs: Eu tinha o tempo do sinal pra escolher qual daquelas 3 figuras eu escolho ser pro resto da minha vida. Fiquei nervosa, só consegui descartar rápido a opção do MBA. Mas os outros dois...Putz. Foi difícil. O sinal abriu e não consegui escolher. Depois segui pensando. Minha escolha seria um mix do trabalhador corta-grama com o semi-mendigo fazedor de grilos-plantas.

Eu passaria o dia dirigindo meu carrinho pelos canteiros de Burle Marx, sentindo aquele cheiro gostoso da grama cortada. No final do dia eu iria recolher algumas gramas boas pra usar nos meus mini-objetos e pequenas flores e cogumelos. Tô meio por fora do que nasce em jardins, mas o cheiro da grama é inesquecível.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Noah and the whale



Nada como descobrir novos prazeres. Ganhei o cd do “Noah and the Whale” de presente, naturalmente já iria gostar dele por ter vindo de uma pessoa especial, mas não imagina que seria uma surpresa tão boa. Ouvi uma vez e senti uma coisa que chamo de tensão da traquéia (que é uma mistura de frio na barriga com nó na garganta), é um sintoma de novidade boa que ainda não foi desvendada completamente, e tem muito ainda por vir.
Logo na primeira vez de audição, enrosquei na música “Jocasta” e fiquei lá por algumas horas, depois segui em frente e chorei com “Do what you do” e naquela hora decidi que é aquele instrumental que vai tocar no meu casamento (ando falando muito em casamento, que horror, mas é por uma razão específica, vou a um na semana que vem e os noivos são desse tipo de gente que parece alma-gêmea e isso me emociona um bocado). Ai caramba, tem um violino que dói.
O cd todo é lindo, tem surpresinhas em todas as faixas e as letras são legais, normalmente nem ligo pra isso (minha última paixão Tricot Machine, eu ouço sem ter a mínima idéia do que eles falam, e cantarolo pela rua como se fossem belas canções de amor). Eu tenho o costume de ouvir os cds tentando não saber qual o hit da banda, pra ter formar uma opinião sem influencia dessa informação. Se eu fosse chutar, diria que o hit é “5 years time”. Será? Vou pesquisar em breve. De qualquer forma meu hit já é “Jocasta”. “Second Lover” parece muito com outras coisas, coisas boas também, então tudo bem. Rocks and Daggers é do jeitinho que eu gosto, meio irlandesa meio bandinha de coreto.

Sorte a minha que não vivo disso. Uma “resenha” dessas não me renderia o dinheiro pra comprar um cdr e ficar 1hora na lanhouse baixando o próximo cd. Meu negócio é falar qual órgão do meu corpo foi tocado pela música, em que momento da minha vida ela se encaixa e quem sabe no futuro posso propor uns novos arranjos, ando meio enjoada de remixes.

Ahh ! E “Noah and the Whale” vem de Noah Baumback, director de “The Squid and the Whale”. Legal isso hein! Se minha banda nascesse essa semana iria chamar .... Michel and his spotless mind.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O casamento dos meus sonhos



Todos esperavam um dia ensolarado, a programação dependia das atividades de lazer que só faziam sentido se fizesse muito sol. Nada muito cansativo era apropriado, a noite prometia ser longa.
Levantei da cama, porque acordada eu já estava desde que desliguei o telefone por volta de meia noite. Chovia horrores naquela fazenda. Relâmpagos normalmente me apavoram, mas eu sentia tanta raiva, tanta vontade de vomitar por todo ódio dele e de mim, por deixar doer, que nenhum trovão ou relâmpagos me causava pânico. Era uma viagem descontraída e ele não tinha nada de importante para fazer nesse final de semana. Não custava nada ele me acompanhar, afinal era uma festa de casamento e não um funeral. Tudo 0800 e nem a gasolina precisava dividir comigo. O que me dá mais raiva é ele ter certeza que estava coberto de razão. Argh! Só posso concluir que minha companhia não faz diferença. Mas já havia chorado tudo que tinha pra chorar e gastado uma nota de celular. Eu que liguei e ainda pago a porra do deslocamento. Minha idéia era dar uma corrida pela redondeza, explorar novos territórios, e quem sabe participar de alguma competição esportiva. Sempre tem dessas coisas em hotéis fazenda. Mas chovia desgraçadamente.
Minha amiga mais querida da época da faculdade ia casar em menos de 12 horas, eu deveria estar feliz por ela, mas não era exatamente o que sentia, só pensava que se ela não fosse casar hoje, eu iria agora mesmo acordá-la para contar a canalhice que o meu EX-namorado havia feito comigo (eu estava decidida a terminar, embora ele ainda não soubesse disso). Ahhh, mas era o dia da noiva, por mais egoísta que eu seja não posso envolvê-la nessa história, não hoje.
Penso, penso, e nenhuma das outras meninas da faculdade servem pra ocasião. A maioria delas é muito religiosa pra ouvir alguns palavrões que seriam inevitáveis. Outras são ridiculamente compreensivas com homens cretinos. O idiota não precisava de aliadas.
Era quase onze horas da manhã, em breve, chegaria um pessoal que eu gostava um pouquinho mais. Não sei ao certo quem coube no carro e quem ficou de fora, só torço pra que um, apenas um, tenha vindo. Me identifiquei com poucas pessoas durante a faculdade, mas um deles era especial. A última vez que havia o visto foi na formatura de uma turma anterior a nossa, depois disso abandonei o curso e só tive algumas notícias. Soube que ele casou, mas ou menos na mesma época que eu, e soube que separou, mais ou menos na mesma época que eu.
Parei na varanda do chalé onde eu estava hospedada, eram vários chalés idênticos, e do meu dava pra ver o espaço onde aconteceria a festa. Havia uma tenda onde trabalhavam muitas pessoas enfeitando rusticamente o cenário. No canto da tenda a banda montava seus instrumentos, eu fiquei ali sentada no parapeito da janela. A cena pedia um cigarro. Eu não fumava há 5 anos. Mas ela pedia tanto que não resisti. Peguei um Lucky Strike na mesa de cabeceira da minha “colega de chalé”. Eu mal a conhecia. Acendi e me esforcei pra dar o primeiro trago, o importante era sentir ele aceso entre os dedos, e me poluir o mínimo possível.
A banda começou a tornar-se interessante, um dos meninos havia estudado com a gente.Na época ele tocava hardcore, eu achava o máximo. Mas nesse dia ele parecia muito mais interessante. Ele aparentava ser o líder da banda. E enquanto os outros afinavam os instrumentos ele fazia a decoração do cenário. Ele usava uma roupa estilo peter pan e amarrava penduricalhos feitos com flores de plásticos e pequenos bibelôs numa corda que vinha do teto da tenda e assim parecia que chovia flores e brinquedos sob eles. E enquanto os músicos passavam a primeira música ele continuou pendurando os enfeites, mas agora fazia tudo no ritmo da música. Ahhh! E a música! Era demais! Tudo o que eu menos esperava ouvir ali. Minha amiga sempre teve bom gosto musical. Mas eu não esperava algo tão bom. Dois caras que até então estavam sentados, colocaram chapéu de fanfarra, fardas de veludo verde e detalhes dourados, e começaram a tocar um instrumento de sopro que eu acho que é trompete (não entendo bem disso). E todos pareciam estar de pijama por baixo das fantasias. O som era incrivelmente suave e lúdico. Ninguém cantava, eles só sorriam muito.
Meu cigarro acabou e peguei outro. Não queria ficar ali com cara de quem não tinha nada melhor pra fazer, mas eu definitivamente não tinha e não iria sair dali. Nenhum lugar do mundo poderia me agradar tanto naquele momento. Eu comecei a sentir raiva de todas as pessoas que eu gosto e que não estavam ali comigo, sempre sinto isso. Quando quero dividir algo com alguém e esse alguém não está, sinto ódio (especialmente quando ele não quis estar e nem preciso falar de quem eu mais sentia ódio).
Esse dia foi o mais heterogêneo da minha vida até hoje. Não dormi a noite toda, senti ódio mortal de uma pessoa que eu amava, e depois foi transportada pra um outro mundo. E a festa nem havia começado. Eu gostaria de contar tudo até o fim hoje, mas não teria tempo suficiente e deixaria detalhes de lado. Foi um dia de experiências deliciosas e intensas, tudo me tocava, ora com dor, ora com alegria ora com prazer. Sempre lembro desse dia antes de dormir, mas nunca consegui revivê-lo. Por isso quis escrever, pra lembrar e sentir um pouquinho dele.