terça-feira, 23 de março de 2010

A EXPERIÊNCIA BIZARRA


Poucos anos atrás eu saí de casa num domingo de manhã pra comprar pão, eu nem precisava de pão, só queria me distrair. Eu estava muito triste, com aquelas tristezas que se arrastam, nada especial aconteceu naquele dia, eu só estava com tristeza “ acumulada” (tenho essa habilidade inata). Aí numa esquina em frente a padaria um carro estava manobrando e um taxi havia parado em frente , impossibilitando minha travessia imediata, lembro de olhar pra trás e ter vontade de chorar porque não podia atravessar, tipo: Mais essa!? Seria ridículo, mas foi exatamente o que eu fiz.
Nesse momento, da minha explosão de lágrimas, vinha uma senhora caminhando lentamente se apoiando no braço de sua acompanhante. Ela olhou fundo nos meus olhos, tão fundo que eu pude me ver nos seus olhos claros e vermelhados por fora. Ela tinha poucos cílios e o olhar umedecido. Ela deu um passo mais largo e segurou no meu braço, uma mão fina e bem gelada. Me encarou e disse: Não chore menina você vai estar no lugar dele um dia. Eu juro que não entendi. Tudo bem que até existia um ele nas razões do meu choro, sempre existe. Mas porque eu estaria no lugar dele um dia? E porque ela fez tanta questão de me dizer isso?
Eu tenho certa paixão e ódio pela velhice, vejo muita magia nas pessoas mais velhas, sempre acho que eles são magos, bruxas, adivinhos, ou até espíritos. Mas essa senhora, realmente, passou dos limites das minhas fantasias. Na verdade ela foi a concretização dos meus pensamentos, mas quem disse que eu entenderia isso?
Lembro que chorei mais e mais, e esqueci do pão. Entrei por uma rua tranqüila, sentei perto de uma árvore de flores laranjas desajeitadas que me lembram muito minha infância, e lá fiquei por quase uma hora, destruindo as vagens que essa árvore produz e soluçando.
Eu sou bem cruel comigo mesma, sentir culpa é de praxe pra mim, mas imaginar a troca de lugar com “ele” estava realmente difícil, acabei não me preocupando muito. Pois na cabeça trocar de lugar nessa situação, seria trocar de ... personalidade, acho. Que inocência a minha.
O pior está por vir. Essa semana eu estava caminhando perto da minha velha casa onde eu tive esse encontro com a senhorinha. E lá estava ela. De uma forma chocante nossos olhos se cruzaram novamente. Ela estava sendo empurrada numa cadeira de rodas, parecia muito mais magra porém barriguda. Como uma velha grávida. E ela acariciava a barriga como uma gestante. Cheguei mais perto e ouvi seu monólogo com a barriga: A Isaura é pra junho, não é? Chegará com o inverno. Estamos te esperando. Já está tudo pronto. Frases que eu como uma ex-gestante já usei com minha ex-barriga ( não exatamente essas). O jovem que a empurrava, agora era um homem, me disse baixinho quando me viu encarado indelicadamente. Ela acha que está grávida, mas é um tumor.
Meu Deus, eu achei que estava sonhando, me deu um nó e azedo na garganta, eu mal podia enxergar. Só acalmei quando tomei um novo susto. Enquanto eu estava passada pensando naquela situação, ela não me olhou, mas me disse. Esta no lugar dele agora?
Minha reação foi olhar pro enfermeiro ou seja lá o que ele for, pra ver se essa frase tinha alguma relação com a suposta gravidez, mas ele não me deu nenhuma explicação. Eu cheguei mais perto tentando provocar uma troca de olhares, mas nada aconteceu. Enfim “deixei” ela ir, mas continuei aterrorizada, como ela sabe que eu to no lugar dele agora?
Até agora eu estou tentando desvendar e aceitar tudo que essa senhora me disse ( foram poucas palavras mas com muito significado). E ela acha que está grávida. Caraca. Até que é uma forma melhor de se morrer. Esperando a vida, e não a morte.

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